A presença dos juízes nas comarcas durante toda a semana agora é preocupação
da Corregedoria Nacional de Justiça. O órgão lança campanha para conscientizar
os magistrados a comparecer aos fóruns de segunda a sexta-feira e a morar onde
trabalham. O projeto será lançado nesta quarta-feira (31/10), no Tribunal de
Justiça da Paraíba, às 14h.
Segundo o corregedor nacional de Justiça, ministro Francisco
Falcão, a ideia é convencer os magistrados a marcar audiências
preferencialmente às segundas e às sextas-feiras, dias em que o quórum de juízes
nos fóruns é mais baixo. “A grande maioria dos magistrados cumpre seu papel e
mora nas comarcas. Mas há casos pontuais de juízes que só comparecem de terça a
quinta-feira, e outros ainda que só aparecem às terças”, conta o corregedor.
A estratégia não é uma imposição da Corregedoria, faz questão de frisar o
corregedor. “É uma parceria educativa com o tribunal”, diz. Ele lembra que a
previsão de que o juiz more na comarca em que julga está no artigo 35, inciso V,
da Lei Orgânica da Magistratura. “Estar na vara todos os dias da semana, como
faz todo funcionário, é uma obrigação do juiz, e não um favor”, afirma.
Falcão espera que a iniciativa seja copiada por outros tribunais. “Já recebi
a notícia de que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro quer aderir. Vamos
marcar. Quando outros tribunais virem o exemplo, será difícil não fazerem o
mesmo”, afirma.
A dificuldade de encontrar magistrados nas comarcas todos os dias da semana é
uma reclamação antiga da Ordem dos Advogados do Brasil. “A Polícia trabalha 24
horas por dia, e pode prender alguém indevidamente no fim de semana. Se o juiz
não estiver acessível na comarca, o pedido de Habeas Corpus não será apreciado”,
exemplifica o presidente da OAB, Ophir Cavalcante Júnior, que
estará presente no lançamento da campanha nesta quarta, em João Pessoa.
Francisco Falcão concorda. “Trabalhar de casa hoje é moderno, mas é preciso
atender às partes, o que não é possível fazer dessa forma.”
Ophir acrescenta ainda que a ausência do juiz, por atrasar o julgamento dos
processos, viola o princípio constitucional da razoável duração do processo.
“Assim como o padre, o delegado e o médico da cidade do interior são
referências, o cidadão precisa saber quem é o juiz do local onde vive”, diz.
“Fora do local, o juiz deixa de conhecer a realidade da comarca e perde
sensibilidade social.”
No entanto, para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros,
desembargador Henrique Nelson Calandra, trabalhar em casa pode
ser mais produtivo que no fórum. "Há mais tranquilidade para refletir sobre os
processos e decidir", afirma. Segundo ele, as corregedorias dos tribunais estão
conectadas, via internet, com os computadores dos juízes, de forma que é
possível saber se ele está ou não trabalhando. "Cada juiz tem uma meta de
audiências e decisões. Se ele não cumpre, é chamado a se explicar."
Sobre o estado onde a campanha do CNJ começará, ele explica que o Judiciário
local sofre com a falta de reposição de cargos vagos de juízes há mais de dez
anos. "Muitos têm de estar simultaneamente em três ou quatro comarcas e, por
isso, não conseguem estar presentes o tempo todo em todas."
Segundo Renato Henry Sant'Anna, presidente da Associação
Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a maior parte do
trabalho do juiz é feita solitariamente, o que independe de ele estar ou não na
Vara. "Apenas 30% do trabalho do juiz precisa ser feito no fórum. O resto são
despachos, que ele pode fazer de casa", diz.
"Há ambientes de trabalho mal equipados, o que leva o juiz a trabalhar de seu
próprio escritório, onde tem melhores instalações", afirma Sant'Anna. "O juiz
deve estar acessível à população, mas não em um pronto-socorro durante 24 horas
por dia."
Para o presidente da Anamatra, não é função do CNJ controlar o horário de
expediente dos juízes, o que as corregedorias locais podem fazer. "O juiz deve
ser cobrado quanto a seus resultados", diz.
O presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous, diz que
existe até um nome para os juízes que se ausentam muito das comarcas: TQQ. "Os
juízes TQQ, que só trabalham às terças, quartas e quintas-feira, são uma nódoa
no Poder Judiciário, pois têm que trabalhar todos os dias, como fazem os
trabalhadores em geral."
No Rio de Janeiro, segundo relatório apresentado esta semana pelo Conselho
Nacional de Justiça, a taxa de congestionamento de processos na primeira
instância é de quase 80%, lembra Damous.
Tomo conhecimento de um fato desse, e fico me perguntando: somente eu me revolto? Será que para um magistrado trabalhar pelo menos todos os dias da semana se faz necessária campanha de conscientização pelo CNJ?
Onde chegamos, o mais revoltante é ouvir o rol de queixas da magistratura, mesmo conhecendo as dificuldades que enfrentam, fica difícil os pleitos serem levados a sério ou mesmo contar com o apoio da sociedade quando o CNJ adota esse tipo de atitude, escancarando uma realidade que os que militam conhecem muito bem.
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