quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, nesta terça-feira (23/2), para referendar decisão do ministro Ricardo Lewandowski que autorizou estados e municípios a comprar e distribuir vacinas caso os imunizantes previstos no Programa Nacional de Imunização “se mostrem insuficientes ou sejam ofertados a destempo”.

O relator da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 770, movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ministro Ricardo Lewandwoski, lembra que o STF “tem ressaltado a possibilidade de atuação conjunta das autoridades estaduais e locais para o enfrentamento dessa emergência de saúde pública, em particular para suprir lacunas ou omissões do governo central”.

Segundo a decisão, além de imunizantes já aprovados no país, podem ser importadas vacinas registradas por pelo menos uma autoridade sanitária estrangeira e liberadas para distribuição comercial na Europa, nos Estados Unidos, no Japão ou China, caso a Anvisa não observe o prazo de 72 horas para a expedição da autorização emergencial. 

“Pela magnitude da pandemia decorrente da Covid-19, que se exige , mais do que nunca, uma atuação fortemente proativa dos agentes públicos de todos os níveis governamentais, sobretudo mediante a implementação de programas universais de vacinação”, disse o relator, acrescentando que as políticas públicas devem ser implementadas sob pena de omissão inconstitucional.

O julgamento se dá no plenário virtual e teve início no dia 12/2. Como houve feriado de carnaval, o prazo para inclusão dos votos foi estendido até 23h59 desta terça-feira (23/2). Até o momento, acompanharam o relator os ministros Luiz Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio, Dias Toffoli e Cármen Lúcia.

A liminar foi concedida por Lewandowski em 17 de dezembro. “Inexiste qualquer dúvida de que o direito social à saúde coloca-se acima da autoridade de governantes episódicos, pois configura, como visto, um dever cometido ao Estado, compreendido como uma ‘ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território’”, apontou.

Lewandowski também ressalta que o federalismo cooperativo do Brasil se caracteriza por um “entrelaçamento de competências e atribuições dos diferentes níveis governamentais”.

Ou seja, ainda que seja incumbência do Ministério da Saúde coordenar o PNI e definir as vacinas integrantes do calendário nacional de imunizações, “a atribuição não exclui a competência dos estados, do Distrito Federal e dos municípios para adaptá-los às peculiaridades locais, no típico exercício da competência comum de que dispõem para “cuidar da saúde e assistência pública”.

O ministro lembra que qualquer que seja a decisão dos entes federados “no concernente ao enfrentamento da pandemia deverá levar em consideração, por expresso mandamento legal, as evidências científicas e análises estratégicas em saúde”.


terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

A 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) decidiu que mesmo com o teste de DNA comprovando a ausência de paternidade biológica, um homem que ajuizou uma ação negatória de paternidade continua sendo pai e, por isso, deve pagar pensão alimentícia. O processo tramita em segredo de Justiça.

Após ter sido negado provimento à ação em que solicitou a exclusão de paternidade e exoneração da pensão, o homem entrou com uma apelação cível para que a sentença fosse reformada. Ele alega que teve uma relação com a mulher apenas durante duas semanas e que depois de um mês do término ficou ciente da gravidez. De acordo com ele, o registro da criança ocorreu três meses após seu nascimento, em razão da pressão psicológica e ameaças que sofreu da mãe. Para ele há vício de consentimento, não se aplicando a paternidade socioafetiva, que deveria ser de maneira voluntária e não forçada.
O relator do caso, desembargador Alcides Leopoldo, cita o Recurso Especial nº 878.941, em que a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que “o reconhecimento de paternidade é válido se reflete a existência duradoura do vínculo sócioafetivo entre pais e filhos. A ausência de vínculo biológico é fato que por si só não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato do reconhecimento”.
O estudo psicológico apontou que o homem possui vínculo afetivo com a criança e reconhece o menino como filho. “A motivação dessa ação judicial é a falta de confiança em [mãe], pois teme que ela, futuramente, ingresse com uma nova ação de alimentos, exigindo um valor de pensão alimentícia que ele não tenha condições de pagar”, conclui o relatório. O filho costumava passar tempo na casa dos avós paternos, que o consideram como neto.
O desembargador argumenta que a anulação da paternidade no caso em questão só seria possível se fosse comprovado o vício de consentimento e diz que mesmo se existissem provas de que o homem registrou a criança por pressão psicológica não caracterizaria a coação.
“Há algum tempo temos uma jurisprudência consolidada de que a afiliação pode ter outras formas que não a biológica”, afirma Renato Vilela, sócio do BVZ Advogados. Para ele, a partir da Constituição Federal de 1988 – que declara que o correto é considerar o “estado de pai” e “estado de filho” – deve ser avaliado o “sentir-se pai” e “sentir-se filho” e, também, como essa relação se comporta.
Para o relator, “a nova ordem constitucional trouxe relevantes avanços ao conceito de família, não mais decorrente necessariamente do casamento, e o vigente Código Civil dispôs expressamente no art. 1.593 que: “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. Como foi comprovado a existência de parentalidade socioafetiva, foi negado provimento ao recurso.
O processo tramita com o número 1007846-87.2018.8.26.0077.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

 


Este foi o entendimento do ministro Dias Toffoli, STF, no julgamento do RE 1.010.606 com repercussão geral, que definirá se existe o direito ao esquecimento no Brasil. Caso o direito ao esquecimento fosse reconhecido, disse o ministro, a Corte daria maior peso aos direitos à imagem e à vida privada, em detrimento da liberdade de expressão, o que não é compatível com a ideia de unidade da Constituição. O julgamento foi suspenso e será retomado dia 10/2.

O relator propôs a seguinte tese: “É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como um poder de obstar em razão da passagem do tempo a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais – especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral – e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível.”

O caso concreto que chegou ao STF foi o de Aída Jacob Curi. Ela nasceu em Belo Horizonte, se mudou para Goiás e, de lá, para o Rio de Janeiro com a família. Conheceu Ronaldo Guilherme de Souza Castro, 19 anos, em 14 de julho de 1958, em Copacabana. Na mesma tarde, Aída subiu com Ronaldo até a cobertura de um prédio, onde foi espancada e estuprada por ele e dois amigos. Quando ela desmaiou, eles tentaram simular um suicídio, a empurrando do parapeito.

A história foi dramatizada pela TV Globo em 2004, no programa Linha Direta Justiça. A família da vítima, então, foi à Justiça pedir uma indenização pelo fato de o crime ter sido relembrado, encenado e transmitido em cadeia nacional, enquanto os parentes gostariam de esquecer a brutalidade pela qual Aída Curi passou.

O relator entendeu que o programa cumpriu o papel jornalístico não apenas de informar, mas de promover debates importantes, como da violência contra a mulher. “Não vislumbro inconstitucionalidade sob o ângulo da proteção à vida privada, uma vez que não houve divulgação desonrosa da imagem e do nome da vítima, tampouco de seus familiares”, disse.

Todos os crimes são de interesse da sociedade, mas há aqueles em que por sua brutalidade alvo de registros, em fotos, livros, reportagens, não são por princípios violadores da honra e da imagem das vítimas.

A estigmatização que os familiares afirmam sentir, para Toffoli, não pode ser imputada à exibição do programa. “Os contornos de exibição, por conter elementos de dramaturgia, que não é ilícito, podem atingir a sensibilidade de todos os telespectadores. Não estamos a discutir o gosto do programa, que, a propósito, eu achava de extremo mal gosto, dos piores da história e que felizmente foi retirado do ar”, comentou.

“Casos como o de Aída Curi, Ângela Diniz, Daniella Perez, Sandra Gomide, Eloá Pimentel, Marielle Franco e, mais recentemente, da juíza Viviane Vieira, entre tantos outros, não podem e não devem ser esquecidos”, disse o ministro ao fim do voto.